LEMBRANÇAS DO SEU VAVÁ

Era maio de 1958. Nessa época, eu tinha quase sete anos de idade. E da janela do meu quarto, só se ouvia o barulho das batidas nas portas do botequim do seu Manoel. Com o tempo, eu descobri que aquilo representava a comemoração de algum gol da seleção brasileira na Copa da Suécia. E como criança, confesso, eu me sentia ora excitado, ora assustado, pois nunca sabia o que poderia ocorrer a seguir…

Passaram-se quatro anos. Novamente começava o alvoroço da Copa do Mundo. Só que agora o país sede era o Chile. Pelo menos foi o que o seu Vavá me disse. Ela era o nosso motorista. Dirigia a Kombi com muita classe e segurança e eu me sentia orgulhoso de ser seu amigo.

Aliás, para mim, o seu Vavá era o homem mais esperto que eu conhecia. Porquanto ele sempre tinha uma resposta pronta na ponta da língua para qualquer indagação. Só vendo!

O que sei dizer é que naquela quinta-feira ele foi deixar o papai no trabalho, no Banco do Brasil do Centro. Aí, voltou rapidinho, pois levava menos de quinze minutos do Estácio ao Centro. Foi quando ele me ‘convocou’ para uma missão: acompanhá-lo até o Hotel das Paineiras, que ficava na parte mais alta do Cosme Velho.

Como passear de Kombi era minha diversão predileta, eu nem perguntei aonde iríamos. Além disso, o trajeto até lá valia qualquer sacrifício, uma vez que o percurso é lindo. E mais bonito ainda é a subida para a Estrada das Paineiras, repletas de jaqueiras gigantes.

Ao chegarmos lá, descemos da Kombi e nos dirigimos para a recepção do hotel. Embora eu fosse uma criança de 11 anos, percebi que havia um forte esquema de segurança ao redor do hotel. Soube, então, que a seleção brasileira estava concentrada ali e que a razão da visita era uma encomenda que o jogador Amarildo, compadre do seu Vavá, havia solicitado. Seu Vavá aproveitou a ocasião para ‘tietar’ outros jogadores. Como estava ao seu lado, fiquei extasiado em conhecer Nilton Santos, Didi, Garrincha e Zito. Porém, Amarildo guardou a melhor surpresa para o final: Pelé. Nossa! Que surpresa maravilhosa foi conhecer Pelé.

Bastaram poucos minutos conversando com ele para perceber que tinha algo diferente. Recebeu-me com um sorriso largo e fácil que logo me cativou. Definitivamente. Com uma natural simplicidade, ele me chamou e perguntou se eu queria jogar ping-pong. Disse que sim. Então, ele pediu licença a rapaziada que estava jogando e anunciou que eu era ‘fera’ no ping-pong e que se tratava de um desafio.

Contudo, Pelé não sabia era que eu era bom no tênis de mesa, uma vez que já era ‘federado’ e treinava diariamente no Clube Municipal. Com isso, bastaram umas três ou quatro ‘cortadas’ para que ele se assustasse com o volume do jogo…

Depois disso, nós interrompemos a partida, pois os jogadores iriam treinar no campo do Fluminense. Contudo, Pelé me deu um forte abraço e me convidou para assistir a uma partida do Santos quando viessem ao Maracanã. Bastante emocionado, aceitei o convite e desejei boa sorte para a seleção no Campeonato Mundial.

A partir daí, meus amigos, de quando em quando eu recebia algum contato dele. Algumas vezes por telefone, outras por telegramas e quase sempre eram recados trazidos pelo seu Vavá. Torci freneticamente pelo sucesso dele, ainda que a contusão no segundo jogo o tenha tirado da Copa. Por certo que vibrei com o resultado, mas sem a presença do Pelé, o título não teve o mesmo brilho…

A vida, então, seguiu o rumo que pode e cada um de nós procurou caminhar de modo correto. Muito embora não tivéssemos mais contato, no fundo, eu jamais esqueci aquele homem de sorriso largo, que serviu de exemplo para tantos brasileiros. Somente tempos depois é que eu soube o seu verdadeiro nome: Edson Arantes do Nascimento, o extraordinário Pelé.

Hotel das Paineiras, no Cosme Velho, Rio de Janeiro.

Amarildo e Pelé, em 1962.