(Dedicado a minha amiga lusitana, Mi Vilela)
É certo que as nossas emoções, quase sempre, são imprevisíveis. Por vezes, elas sofrem ainda mais quando estamos diante de acontecimentos desconhecidos. Tudo bem. Pode ser que isso seja apenas uma autodefesa construída para tentar barrar os perigos ou agressões externas. Vai saber?! No entanto, em algum lugar da nossa alma se esconde aquele ‘diabinho’ que, sorrateiramente, fica fustigando o nosso espírito. E cobrando da gente um pouco mais de ousadia, de destemor…
Também é verdade que com o passar do tempo nós vamos adquirindo mais cautela e conservadorismo. Há quem considere que isso seja algo bom. Mas, nem tanto assim. É que se formos ouvir o tempo todo a voz da sensatez, no ouvido direito, ah, nós corremos o risco de ver a vida passar muito sem graça, não acham?
O que posso dizer é que esse ‘intrincado processo’ não é exclusividade de ninguém. Eu tampouco me sinto confortável com essas artimanhas. Até porque, ao que tudo indica, essa parece ser a grande peleja da vida, meus amigos. E assim, cabe a cada criatura o direito do entendimento e a capacidade de lidar com essas questões. Bem como o direito de fazer escolhas, sejam elas certas ou erradas. Porquanto a vida, no fundo, acaba nos conduzindo e nos ensinando. E vai, com isso, dando a cada criatura a coragem para enfrentar os desafios. Pois é. O nosso Riobaldo, do Guimarães Rosa, foi um que nos alertou com sabedoria: “…O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”
Além dele, Chico Buarque foi outro que deixou um contundente testemunho: “Arrisquei muita braçada / Na esperança de outro mar / Hoje sou carta marcada / Hoje sou jogo de azar.” E agora, minha gente, onde está a saída?! Eu não sei dizer. Sei apenas que a roda da vida não costuma esperar por ninguém. E nem mesmo aceita que a gente queira ganhar tempo para entender o processo.
Céus! Pelo visto, tudo tem que ser resolvido da melhor maneira que puder. Ou, então, como conseguir. Feito aquele que ‘vende o almoço que é para pagar o jantar”. E de novo vem a lembrança da sentença de Riobaldo: “O que a vida quer da gente é coragem!”
Toda essa digressão, confesso a vocês, veio por conta da emoção que experimentei ao ver a exposição de fotografia do mestre Bruno Neves, montada na Estação Central de São Bento, na cidade do Porto, em Portugal. A exposição, intitulada como “As crianças da minha Sé”, foi amparada em um conjunto de fotografias de crianças brincando nas ruas do Porto, na década de 1970. Segundo o texto no cartaz de apresentação, com o forte título de “A Cidade do Descontentamento”, o fotógrafo Bruno conseguiu captar nas lentes de sua câmera todo o espectro da marginalidade que circundava aquelas crianças. Eram semblantes pobres e sofridos, ainda que não demonstrassem dor. Pois somente as crianças são capazes de escapar das garras da ingrata realidade. Indiferentes, elas conseguem brincar e partilhar o espaço comum. E conseguem até mesmo extrair prazer com suas bolas de futebol de pano, seus improvisados carinhos de madeira e toda sorte de brinquedos que a imaginação infantil pode produzir.
E eu, como um observador envelhecido pelo tempo, e com a infância já distante o suficiente, acabei me comovendo com aquelas belíssimas fotos. Como consequência, reconheço, aquelas fotos foram capazes de retirar a mordaça o tempo colocou em mim. E nem mesmo o meu velho e conhecido ‘Canelau’ foi capaz de impedir…
