O SOM NOSSO DE CADA DIA

É bem verdade que eu sempre fui um sujeito apaixonado por música. Aliás, em nossa casa, lá na infância distante, nós acordávamos ao som de Debussy, Mozart, Beethoven e tantos outros. É que o meu pai era apreciador e ouvinte contumaz da música erudita. E no apartamento da velha Zamenhof, no Estácio, a sala de estar recebera os alto-falantes, amplificador e toca-discos que papai montava com profunda engenhosidade. Aí, já viu, né? Ou se aprendia a apreciar os acordes de Liszt, Bach e Schubert ou ‘pedia pra sair’, como sugeria o intrépido Capitão Nascimento. No entanto, devo reconhecer que essa rotina, de um jeito ou de outro, ‘educou’ os nossos ouvidos. Sendo assim, depois disso, tudo ficou mais fácil. Vieram o samba-canção, o chorinho, o rock e a bossa-nova. E o jazz, enfim, a grande paixão, pode aportar de forma avassaladora em minha vida… Sorte a minha, meus amigos!

Também é verdade que a música sempre ocupou um lugar de destaque no reino das artes. Inclusive o jazz, que pode ser considerado como o mais ‘erudito’ dos ritmos populares, tal a riqueza melódica. Isto porque o jazz possui, em sua estrutura, arranjos tão sofisticados que somente músicos de qualidade são capazes de criar ou executar. Até então, somente a música erudita era reconhecida como ‘nobre’ e, por conseguinte, a única que adquiria o ‘passaporte’ da imortalidade. Os criadores dos famosos clássicos se perpetuaram e atravessaram a história com justa notoriedade.

Não há quem desconheça as obras de Bach, Beethoven, Wagner e tantos outros gênios. No entanto, verdade seja dita: quase todos viveram ou frequentaram os burgueses salões das realezas. Bem diferente do nosso jazz, cuja origem foi escrava. Além disso, o nosso jazz serviu, inicialmente, apenas como canção de lamento. Ou seja, um pranto contra a dura opressão imposta pela burguesia. O verdadeiro canto dos ‘excluídos’…

Eu não quero, com isso, desmerecer o valor da música erudita. Seria insano. Todavia, acredito que o jazz possua mais legitimidade na sua história. Pelo simples fato de retratar a dor da alma. E dor, meus amigos, é o signo que mais atesta a condição humana. Seja ele branco ou preto, nobre ou plebeu. Nada disso importa. No fundo, o que vale mesmo é que o jazz sempre esteve acessível a todos. Sim! A todos que se deixam emocionar. Com dor ou paixão…