JOÃO PEDRO E A PONTA DO ‘ICEBERG’

Se há uma coisa imensamente prazerosa para mim, esta, sem dúvida, é acompanhar o crescimento do meu querido neto, João Pedro. Isto porque as alterações que eu observo, cada vez que o encontro, são inúmeras e sempre diferentes. É que o João Pedro teve a sorte de ter pais que estimulam bastante o seu desenvolvimento. Além disso, ele também conta com tios e avós que adoram o estilo participativo e desafiador empreendido na educação dele.

Contudo, há outro aspecto interessante nesse processo. Porquanto o aprendizado de qualquer coisa nessa vida, de algum modo, também carrega embutido o desafio inverso. Ou seja, quem estimula alguém para o que quer que seja, acaba recebendo o ‘troco”. E esse troco, convenhamos, pode vir de diversas formas. Aliás, surpreendentes formas! Mas, calma aí que eu explico…

Na verdade, nem seria preciso lembrar que eu fui professor de química durante mais de trinta anos. E nesse longo período, o que mais eu percebi é que ‘ensinar’ não representa apenas o lado avesso do ‘aprender’. Pois é, meus amigos. Afinal, sempre que se ensina algo a alguém, simultaneamente, nós nos tornamos uma ‘via aberta’ para outros retornos. Se tivermos acuidade, pode-se perceber que nesse ofício se aprende muito mais do que se ensina. É algo impressionante, creiam-me!

Lembro até de uma conversa que eu tive com um colega professor, bem no início da minha carreira. Moura já era era professor de física há quase dez anos. Só que na escola onde nos encontramos ele lecionava francês. Na época, eu fiquei espantado e perguntei: “Mas você não é formado em física? Como, então, dá aulas de francês?” Moura, que era um sujeito inteligente e muito bem-humorado, sorriu para mim e disse: “Carlos, eu era recém-formado quando procurei essa escola para saber se estavam precisando de professores. Antes que eu dissesse a eles que era professor de física, eles me responderam que estavam precisando ‘desesperadamente’ de um professor de francês. Céus! Eu havia me casado naquele ano e estava mais ‘liso’ que piso encerado, daí respondi de bate-pronto: agora já tem um professor de francês!”

Confesso que fiquei chocado com a coragem do relato. Ao mesmo tempo, eu também fiquei ‘desconfiado’ da seriedade dele. Mas, com o passar do tempo, eu descobri que ele era um magnífico profissional e muito empenhado. Até que um dia surgiu uma vaga para professor de física e ele migrou de disciplina. Lembro até que ao comemorarmos a transferência para o quadro de professores de física, em um barzinho que havia em frente ao colégio, eu perguntei ao Moura; “Como você fazia para dar aulas sobre algo que não dominava?” Foi quando Moura me confidenciou de que seu pai havia sido professor de francês durante toda a vida. Com isso, Moura preparava as aulas de francês com a ajuda do pai. Decorava inúmeras palavras, aprendia a conjugação dos verbos, tudo em nome da ‘sobrevivência’. Mas é o tal negócio, algumas vezes ocorriam ‘surpresas’. Segundo ele, certa vez uma aluna perguntou o significado da palavra “riz”. Moura coçou a cabeça e respondeu que aquela palavra era muito pouco usada na conversação francesa, uma vez que tinha origem no francês arcaico. Porém, quando chegou em casa e fez a consulta ao dicionário, descobriu que era ‘arroz’. Bem… Paciência, fazer o quê?!

Mas, voltando ao tema do João Pedro. O que eu venho aprendendo com ele é que esse rico mundo infantil revela apenas a ‘ponta do iceberg’. Certo mesmo é que se você deseja saber mais sobre as ‘descobertas’ infantis, aí, só mergulhando de cabeça no mundo deles. Todavia, sem conceitos prévios e sem julgamentos. E, se possível, aberto a toda e qualquer proposta inusitada deles… Por certo, serão muitas as surpresas que teremos nessas vivências. Muitas vezes, elas podem revelar as ‘lacunas’ ou ‘ausências’ que deixamos passar ao largo em nossas vidas. No entanto, se deixarmos de lado alguns remorsos ou culpas, indevidas ou não, talvez possamos aprender com eles coisas surpreendentes. Bem interessantes. minha gente…

Só que para isso, não se esqueça de que ‘navegar é preciso’!