“MADE IN BRAZIL”

“Todos nós ficamos profundamente ‘envaidecidos’ quando um brasileiro faz sucesso em outros cantos. Seja lá em que modalidade for: do futebol ‘encantado’ de Pelé aos acordes maravilhosos de Tom Jobim. Tudo é motivo de comemoração. Talvez, quem sabe, isso sirva para aplacar o nosso atávico ‘complexo de vira-lata’, que Nelson Rodrigues tão bem escancarava em suas crônicas?!

O certo é que nós brasileiros, desafortunadamente, introjetamos de tal modo esse ‘complexo’, que ele se tornou recorrente. No fundo, é uma lástima, isto sim. Porquanto menospreza a nossa capacidade de criação, ‘constrangendo’ o talento brasileiro nas mais variadas manifestações…

Contudo, de vez em quando surge na praça uma dessas ‘pérolas’, nascidas com selo de ‘joia rara’ e cuja lapidação ocorreu na origem. E são elas que nos relembram a brasilidade esquecida, muitas vezes, ultrajadas pelos nossos ‘conterrâneos’. Pelo menos, eu vi isso acontecer inúmeras vezes, meus amigos. E sempre me senti ‘acabrunhado’ e impotente para refutar o desdém estabelecido. Como se nós não tivéssemos o direito de brilhar em qualquer domínio.

Com isso, foram necessárias incontáveis gerações para, enfim, quebrar essa ‘sina’. E devolver ao povo brasileiro o grande contentamento de se atribuir ‘valor’. Resgatando assim a autoestima que fora extraviada ao longo da história. Ainda bem!

Para ilustrar o tema, quero lembrar o exemplo de Victor Assis Brasil. Nascido no Rio de Janeiro de 1948, Victor iniciou-se muito cedo na música. Primeiramente na gaita, depois veio a bateria e, por fim, assumiu o saxofone alto. Aos vinte anos de idade, ele já tocava profissionalmente e impressionava pelo talento e criatividade. Daí até frequentar a conceituada “Berklee College of Music” foi só um instante.

Esse disco, “Jobim”, produzido pelo meu falecido amigo Roberto Quartin, é a mais plena comprovação do talento de Victor. Basta ouvir a forma como ele conduz ‘Wave’, ora profundamente intimista, ora assumindo a influência de Charlie Parker nos fraseados ‘nervosos’ e quase dissonantes. A seguir vem na sequência “Bonita” e “Dindi”. Aí observamos um Victor mergulhado no lirismo musical das extraordinárias composições de Jobim. Um delírio!

Para encerrar o disco, Victor nos apresenta a “pièce de résistence”: uma linda composição criada para homenagear Roberto Quartin, intitulada “Quartiniana”. Nela podemos perceber o lado mais erudito de Victor Assis Brasil, desenvolvido nos cinco anos em que estudou em Berklee.

Até hoje os americanos prestam reverência ao talento de Victor. Mas, para nossa sorte, ele foi e sempre será “made in Brazil”…

https://www.youtube.com/watch?v=cNdwSZTiu7g

UMA HISTÓRIA SEM GRAÇA

Eu bem que alertara ao terapeuta o quanto isso ainda me incomodava, apesar dos mais de quarenta anos decorridos. E aí, fazer o quê?! Pode ser que para outras pessoas isto não tenha tanta importância assim… mas, para mim, que sofri na pele o sufoco… ah, deixa disso! Verdade é que nem sei por que estou falando desse episódio. É que, no fundo, vira e mexe, essas lembranças voltam aos meus pensamentos… Então, calma aí, que eu explico!

O ano era 1955. Eu e toda minha família estávamos viajando do velho Ceará com destino ao Rio de Janeiro, onde o meu pai nos aguardava. Só que naquela época o Mar Morto não estava nem doente, ou seja, o famigerado avião tinha que pousar de hora em hora para abastecer, pois era uma verdadeira carroça! Muito bem. É até fácil imaginar a cena: a pobre coitada da mãe carregando seus cinco filhos sob as asas, sendo que o mais velho tinha apenas dez anos. Já viram, né?! Na segunda das quatro paradas para reabastecer a bendita “aeronave” da Real Aerovias Brasil, todos tinham que desembarcar e ir para o saguão do aeroporto, como era o procedimento. A seguir, aguardava-se meia hora e depois embarcávamos novamente. Só que de lá para cá esse ritual se repetiu algumas vezes. Então, é fácil prever que em alguma parada dessas haveria ‘encrenca’. Pois é. Sucedeu em Recife, meus amigos. Lembrem-se que eu tinha apenas quatro anos e jamais imaginaria ser protagonista do “Esqueceram de mim – Zero”… O que sei é que todos os cinco, minha mãe e os quatro irmãos, entraram naquele ‘14 Bis’. Menos eu! Ao que tudo indica, eu fiquei perambulando pelo saguão do aeroporto, atrás de comida ou coisa assim, e não me dei conta da partida. Só sei que o avião estava taxiando na pista para levantar voo e minha mãe virou-se e contou os filhos: “Céus! Está faltando um! Tá faltando um filho meu, aeromoça!”

Vocês podem imaginar o ‘alvoroço’ que deve ter ocorrido a bordo. O piloto dizendo que não poderia mais voltar e minha mãe ameaçando até puxar a ‘peixeira nordestina’ que não possuía. Mas, naquele momento de sufoco, ela jurava que estava guardada na enorme bolsa que conduzia. A confusão foi tanta que até ‘Boletim de Ocorrência’ foi lavrado na delegacia do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, local de chegada. Enquanto eu, devo confessar, já me encontrava algemado pelo segurança do aeroporto do Recife, pois o escarcéu que aprontei não estava no mapa… Bem, minha gente, para encurtar a prosa, o que eu posso dizer é que naquela época era comum tratar os meninos de rua de ‘moleques’ ou, como se dizia no Ceará, de ‘canelau’. O fato é que eu, no percurso da vida, demorei um bocado para expurgar o ‘canelau’ que havia em mim. Para isso, foram precisos mais de sessenta anos vida, muita ajuda e uma ‘sorte’ enorme marcada no meu destino. Lá, isso sim!

Em fevereiro próximo, eu retornarei pela primeira vez ao aeroporto de Recife para uma temporada de férias com a minha nova família. Espero, contudo, que os velhos ‘fantasmas’ não estejam lá… Não mais!