SOMOS APENAS PASSAGEIROS

Eu hoje acordei pensando sobre as viagens que já fiz e as que ainda pretendo fazer. Inevitavelmente, meus amigos, ocorreram-me algumas dúvidas: o que exatamente estou a procurar? O que pretendo encontrar? E afinal, qual a importância dessas viagens em minha vida?

Pois é. Na verdade, devo dizer, eu não precisei de muito tempo para responder a esses questionamentos. Porquanto esse movimento é um processo bastante voluntário. E consciente. Sim! Ao que tudo indica, essa busca esteja amparada no prazer que sinto ao ‘interagir’ com os outros. Eu explico. É que ao me aproximar dessas pessoas procurando conhecê-las, a minha intenção é tão somente captar a ‘visão de mundo’ de cada criatura. Isto porque, sem dúvida, o que a gente aprende com elas supera qualquer expectativa.

Por sinal, eu aprendi isso bem cedo, pois ainda adolescente percebi que viajar para lugares desconhecidos, ah! era algo que trazia imensa satisfação. E desse modo, eu acabei estabelecendo uma prioridade na vida, ou seja, acolher as preciosas ‘observações’ que as viagens propiciavam e, em contrapartida, iria deixar em cada lugar um registro pessoal do meu contentamento.

Foi assim que aconteceu quando eu tinha 15 anos e fiz a primeira viagem de ‘mochileiro’, indo do Rio de Janeiro para Florianópolis. O objetivo era conviver com um tio distante e ainda desconhecido para mim. Céus! Confesso que aqueles quinze dias na casa do tio Holdemar, médico e escritor, foram capazes de me ‘abduzir’ completamente! Ao me apresentar a temas ainda desconhecidos – a literatura e o jazz -, tio Holdemar demonstrava que possuía o dom de seduzir a gente com argumentos inquietantes. O que sei é que, de imediato, eu passei a amar esse belíssimo universo apresentado por ele, minha gente. Portanto, onde quer que esteja, meu tio, receba o meu emocionado agradecimento.

Poucos anos depois, eu novamente botei o pé na estrada e parti para Buenos Aires, de ônibus, encarando uma viagem de 48 horas. Sozinho e no inverno. Ao chegar na capital portenha, logo me encantei por inúmeras coisas. Mas foi “Mercedes Sosa”, de fato, a minha primeira grande paixão. Tudo bem que eu me apaixonei, também, pelo tango estilizado de Astor Piazzolla. Algo profundamente intimista e pessoal.

Além disso, eu conheci uma família de suíços. Eles moravam em um simpático subúrbio de Buenos Aires, hoje município, de nome “Ramos Mejia”. Naquela bela e encantada casa moravam três pessoas: Dona Arlete, seu marido Emílio, um chefe- confeiteiro, e a linda filha Heide, universitária de engenharia química. Ah, minha gente, poucas vezes nessa vida eu conheci uma família tão harmoniosa quanto aquela. Parecia uma dessas famílias saídas das telas do cinema, que nos comovem pelo intenso amor compartilhado entre eles. Amor simples e verdadeiro que arrebata os corações sedentos… Coisa linda!

(Imagens: Ponte Hercílio Luz, na Florianópolis de 1970 e a Confeitaria Moritz, em Retiro, Buenos Aires)

DE REPENTE, FERNANDO FOI EMBORA

Sim… De repente, Fernando foi embora. Partiu sem avisar, sem sequer se despedir de muitos de nós. Para alguns, isso pode parecer injusto. Quem sabe, até mesmo uma tremenda sacanagem?! Contudo, Fernando teve lá os motivos dele, minha gente. Vai saber?!

Porém, o que vou fazer com o nosso antigo ‘sonho socialista’, onde imaginávamos um mundo mais justo e equilibrado? É… Fernando, isso nós vamos ter que deixar para outras gerações. A nossa, pelo visto, não deu conta dessa ‘febre’ e, ainda que tivéssemos muitas esperanças guardadas com amor e paixão, de fato, elas se extraviaram no caminho…

Havia também aquele acalentado sonho de abrirmos um restaurante ‘alternativo’. Não na comida, é claro, mas nos interessantes temas que iríamos propor para os acompanhamentos: jazz, cinema e utopias. Para o deleite de todos! Ah, isso sem falar das palestras e cursos que o restaurante patrocinaria. Agora, devo confessar, Fernando, eu não consigo empreender isso com mais ninguém. Só daria certo com você, à medida que ninguém mais empunhava tanta lucidez nas ideias e propostas. Só você, meu amigo, possuía esse dom de nos ‘abduzir’ com argumentos sedutores. Por sinal, eram verdadeiras ‘armadilhas’ ideológicas, reconheço.

Mas saiba, parceiro, que o que ainda restava de brilho nesse mundo louco acabou de perder a sua metade. Zizi bem sabe o que estou a dizer. Até porque, ela foi o seu ‘ópio’ e seu grande amor nessa vida. Por isso, ela terá que ‘reinventar a roda’ para dar conta desse enorme buraco. Contudo, esteja certo: ela conseguirá. Confie!

Céus, nós tivemos muitas conversas sobre a vida e sobre o que dava sentido a ela. Incontáveis vezes, é verdade. E quase sempre tínhamos um copo de vinho ou cerveja para irrigar as ideias. Sim! Lembro até daquele velho desejo de mandar para cadeia essa ‘cambada de pilantras’ e ‘sanguessugas’ que estão por todos os lados. Ao mesmo tempo, nós acreditávamos que aquela velha ‘ilha do barbudo’ resistiria aos ventos e furacões vindos do Norte. Afinal, tal qual aquela lendária ave, única da espécie, que após viver 300 anos, supostamente, se deixava arder em brasas para, em seguida, renascer das próprias cinzas… “Voilà”, eis a nossa fênix revestida de sonhos e esperanças nos homens de bem…

O pior de tudo, Fernando, é confessar a você que eu não sei como lidar com esse novo momento. Eu explico. É que você sempre representou o meu ‘alter ego’. Desse modo, eu ficarei sem o contraponto capaz de me dar algum equilíbrio para tocar em frente. “Paciência, Carlos”, diria você. Ou, então: “Carlos, o que não tem remédio, remediado está!”

Por fim, eu devo dizer que não sou chegado em despedidas. Principalmente, em despedidas tristes e acabrunhadas como essa. Mas, no fundo, eu devo isto a você. Portanto, meu amigo, receba o meu melhor e mais afetuoso abraço. Com ele, também vai junto um esforço de sorriso e os muitos agradecimentos pelo que recebi de você. Além desse mar de lembranças que me acompanharão pelo caminho afora.

Pois é, meus amigos. De repente, Fernando foi embora. E de algum modo, todos nós ficamos órfãos…

Na foto: Fernando, o meu filho Gabriel e Zizi, em um domingo qualquer do passado.

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