Todos os sábados da minha infância, chovesse ou fizesse sol, por volta das oito horas da manhã, lá estaria a figura do seu Rivadavia em nossa casa. Ele era o barbeiro do meu pai e, de quebra, cortava o nosso cabelo. O meu cabelo não escapava de jeito nenhum, ainda que eu tentasse fingir que estava dormindo. Qual nada! Só escutava a voz firme do meu pai abrindo a porta do quarto e anunciando: “Chau, levante dessa cama e venha cortar o cabelo, que seu Rivadavia já chegou!”
Céus! Eu tinha pouco mais de dez anos de idade e odiava ouvir a expressão, “Príncipe de Gales”, que era o nome dado ao corte de cabelo nos anos 60. Eu nem sabia que ‘príncipe’ era obrigado a cortar o cabelo todos os sábados… Mas eu era!! E escutar o barulhinho daquela máquina infernal – “zzzuuuummmm”, “zzzuuuummmm” – era quase uma sentença de morte, meus amigos. Afinal, ela decretava o fim da minha vaidade e o desejo de me sentir como meus colegas “cabeludos’. Foram precisos muitos anos para que Antônio Belchior expressasse a dor que eu sentia numa belíssima canção: “Já faz tempo eu vi você na rua / Cabelo ao vento / Gente jovem reunida / Na parede da memória / Essa lembrança / É o quadro que dói mais…”
Sim ! A verdade é que chorava todos os sábados de minha infância. Chorava apenas por dentro, tudo bem, pois não tinha coragem de reclamar pra fora. Talvez, tivesse sido melhor para as minhas emoções. Paciência!
Tempos depois, já adolescente, eu fui conhecer outras ‘navalhas’, minha gente. Por certo, elas eram bem mais afiadas e perigosas que a do seu Rivadavia. E uma delas, eu conheci lá no Café Palheta, ponto de encontro para tomarmos um sorvete, o desejado “sundae”. Lembro até que isso era programa certo, aos domingos, ir ao cinema na Praça Saens Peña, na velha Tijuca do Rio de Janeiro. Quando saíamos do cinema, eu, Luiz Henrique e Edinho corríamos para pegar um bom assento no disputado “Café Palheta”.
No entanto, se na parte da frente ficava a sorveteria e o espaço para o café, na parte traseira ficava a salão de sinuca. Era palco de campeonatos e exibições, embora muitos “malandros” ficassem ali à espreita de um ‘otário’ para arrancar algum dinheirinho numa disputa. A técnica deles era quase infalível. Acertados os ponteiros de quantas partidas seriam jogadas, o ‘malandro, invariavelmente perdia a primeira e até a segunda peleja para dar o ‘gostinho’ de vitória ao oponente. A partir daí, surgia o ‘craque’ da sinuca e faturava a competição, extraindo o dinheirinho da pobre vítima.
É bem verdade que de vez em quando havia um ‘arranca-rabo’ dos diabos, o que acabava em briga e pancadaria generalizada. E foi numa dessas vezes que eu assisti a mais marcante briga. É que o ‘malandro da vez’ estava em apuros, apanhando fortemente da vítima do jogo. Só que sei que, de repente, um grande suspiro ecoou no salão. Foi quando o malandro puxou do bolso a navalha. Meu Deus, ela brilhava até no escuro, meus amigos. “Vumm, vumm, vumm… e a lâmina atingiu a bochecha do rapaz, espalhando sangue para todos os lados. Apavorado com a cena, eu saí correndo e peguei o primeiro bonde que descia para o Estácio. Horas depois, chegaram Luiz Henrique e Edinho. Pálidos. Ainda com semblante de apavorados. Edinho contou que não viu mais nada direito, em face do tumulto que se estabeleceu. Já Luiz Henrique, que tinha ‘sangue frio’, foi quem narrou para a turma da Zamenhof os detalhes da briga…
O que sei dizer é que todas as vezes que eu via o seu Rivadavia passar por nós, ah!, confesso: eu o cumprimentava com muita cerimônia e ‘gentileza’. Vai saber, né?!

