RECADOS DE LÁ E DE CÁ…

Tem dias que a gente acorda mais sensível e a nossa antena parabólica parece captar ‘sinais’ vindos de longínquos lugares, aonde a nossa razão não alcança. Sim, meus amigos! Quando isso acontece, confesso, eu prefiro ficar recolhido, silencioso, ruminando sobre as etapas dessa vida. Nessas horas, eu chego a ter a sensação de que estou recebendo ‘recados’. Vindos de muitas partes e lugares…

Verdade é que eu não sei dizer como isso se desdobra com outras pessoas. Sei apenas que aprendi a respeitar isso em mim. E desde cedo, percebi que não devia me cobrar ‘lógica’, razão ou que quer que seja frente a essas manifestações. Afinal, sentir essas emoções não me faz melhor nem pior do que ninguém. Por isso, eu apenas deixo que elas me conduzam por outros mares, talvez, nunca dantes navegados por mim. Quem sabe alguma surpresa possa surgir? Quem sabe eu consiga enxergar àquilo que a minha razão não descortinou?!

Lembro até que foi por intermédio do Seu Rodrigo, velho amigo da minha infância, que eu experimentei as primeiras sensações ‘sem explicações’. Na época, eu tinha pouco mais de 14 anos de idade e não compreendia o que tudo aquilo representava. Percebia, ao menos, que muitas coisas não tinham explicação. Simplesmente, aconteciam…

Tempos depois, já adulto formado e bastante ‘racional’, eu comecei a travar uma ‘peleja’ que nunca mais findou. Foi quando eu iniciei a minha terapia, em busca das minhas identidades extraviadas, dos sentimentos desarrumados e da carga que havia herdado ou adquirido indevidamente. Pois é, meus amigos. Como tantas outras criaturas, eu também tive sonhos que não sei se existiram. Acreditei em histórias que talvez não tenham acontecido. É o tal negócio: o legado de cada um tem lá muitas verdades e, infelizmente, algumas mentiras. São histórias que vão sendo construídas e emaranhadas nas esquinas do mundo. O nosso querido Djavan foi um que percebeu isso. E ele expressou numa belíssima canção a terrível dúvida que está embutida em alguns de nós: “Só eu sei das esquinas que passei… Só eu sei! / Sabe lá, o que é não ter e ter que ter pra dar? / Sabe lá, o que é morrer de sede em frente ao mar?!”

No curso da vida, podemos observar que muitas pessoas optam pelo silêncio. Outras tantas, preferem acolher o cinismo. Mas a grande maioria, por certo, fica por conta da ignorância. Lamentavelmente. São criaturas que jamais vasculharão a “caixa-preta” em busca das verdades…  No entanto, devo reconhecer: eu não sei o que é melhor. Tampouco estou aqui a fazer julgamento de valor. No fundo, são questões muito individuais e que só a criatura envolvida pode responder, isso sim! E se eu trago estas reflexões à baila, creiam-me, é tão somente porque elas estão a ‘vazar do copo’ e encontro em cada um de vocês a solidariedade tácita. Afinal, todos nós somos vítimas de diferentes verdades e mentiras, não acham?!

O que sei dizer é que ontem à tarde eu estava procurando por uma foto antiga e, sem querer, acabei pegando uma pasta de documentos sobre a carreira artística da minha querida mãe, Jarina Menezes, falecida em 2005. Quando percebi que não era a pasta que eu queria, empurrei de volta para cima do armário. De repente, dois papéis caíram lá de cima. Então, desci para pegar e, para minha surpresa, eram duas gravuras pintadas por ela: uma de 1985 e a outra de 2002. Fiquei por um tempo admirando a qualidade dos desenhos, feitos de aquarela e bico de pena. Lindos! Foi quando percebi que em um deles, o mais antigo, tinha um recado dela para mim, escrito em dezembro de 1985. Era um lindo e comovente bilhete, em que anunciava que não iria passar o Natal conosco no Rio de Janeiro, uma vez que ela já morava na Lagoa da Conceição, em Florianópolis.

O bilhete estava carregado de carinho e amor aos filhos, algo que sempre nos acompanhou em sua passagem aqui neste plano. Ah, minha querida mãe, quantas saudades eu sinto de você. Sempre!

O FIO DA NAVALHA

Todos os sábados da minha infância, chovesse ou fizesse sol, por volta das oito horas da manhã, lá estaria a figura do seu Rivadavia em nossa casa. Ele era o barbeiro do meu pai e, de quebra, cortava o nosso cabelo. O meu cabelo não escapava de jeito nenhum, ainda que eu tentasse fingir que estava dormindo. Qual nada! Só escutava a voz firme do meu pai abrindo a porta do quarto e anunciando: “Chau, levante dessa cama e venha cortar o cabelo, que seu Rivadavia já chegou!”

Céus! Eu tinha pouco mais de dez anos de idade e odiava ouvir a expressão, “Príncipe de Gales”, que era o nome dado ao corte de cabelo nos anos 60. Eu nem sabia que ‘príncipe’ era obrigado a cortar o cabelo todos os sábados… Mas eu era!! E escutar o barulhinho daquela máquina infernal – “zzzuuuummmm”, “zzzuuuummmm” – era quase uma sentença de morte, meus amigos. Afinal, ela decretava o fim da minha vaidade e o desejo de me sentir como meus colegas “cabeludos’. Foram precisos muitos anos para que Antônio Belchior expressasse a dor que eu sentia numa belíssima canção: “Já faz tempo eu vi você na rua / Cabelo ao vento / Gente jovem reunida / Na parede da memória / Essa lembrança / É o quadro que dói mais…”

Sim ! A verdade é que chorava todos os sábados de minha infância. Chorava apenas por dentro, tudo bem, pois não tinha coragem de reclamar pra fora. Talvez, tivesse sido melhor para as minhas emoções. Paciência!

Tempos depois, já adolescente, eu fui conhecer outras ‘navalhas’, minha gente. Por certo, elas eram bem mais afiadas e perigosas que a do seu Rivadavia. E uma delas, eu conheci lá no Café Palheta, ponto de encontro para tomarmos um sorvete, o desejado “sundae”. Lembro até que isso era programa certo, aos domingos, ir ao cinema na Praça Saens Peña, na velha Tijuca do Rio de Janeiro. Quando saíamos do cinema, eu, Luiz Henrique e Edinho corríamos para pegar um bom assento no disputado “Café Palheta”.

No entanto, se na parte da frente ficava a sorveteria e o espaço para o café, na parte traseira ficava a salão de sinuca. Era palco de campeonatos e exibições, embora muitos “malandros” ficassem ali à espreita de um ‘otário’ para arrancar algum dinheirinho numa disputa. A técnica deles era quase infalível. Acertados os ponteiros de quantas partidas seriam jogadas, o ‘malandro, invariavelmente perdia a primeira e até a segunda peleja para dar o ‘gostinho’ de vitória ao oponente. A partir daí, surgia o ‘craque’ da sinuca e faturava a competição, extraindo o dinheirinho da pobre vítima.

É bem verdade que de vez em quando havia um ‘arranca-rabo’ dos diabos, o que acabava em briga e pancadaria generalizada. E foi numa dessas vezes que eu assisti a mais marcante briga. É que o ‘malandro da vez’ estava em apuros, apanhando fortemente da vítima do jogo. Só que sei que, de repente, um grande suspiro ecoou no salão. Foi quando o malandro puxou do bolso a navalha. Meu Deus, ela brilhava até no escuro, meus amigos. “Vumm, vumm, vumm… e a lâmina atingiu a bochecha do rapaz, espalhando sangue para todos os lados. Apavorado com a cena, eu saí correndo e peguei o primeiro bonde que descia para o Estácio. Horas depois, chegaram Luiz Henrique e Edinho. Pálidos. Ainda com semblante de apavorados. Edinho contou que não viu mais nada direito, em face do tumulto que se estabeleceu. Já Luiz Henrique, que tinha ‘sangue frio’, foi quem narrou para a turma da Zamenhof os detalhes da briga…

O que sei dizer é que todas as vezes que eu via o seu Rivadavia passar por nós, ah!, confesso: eu o cumprimentava com muita cerimônia e ‘gentileza’. Vai saber, né?!

A GRANDE NOTÍCIA!

O dia de hoje começou com uma notícia maravilhosa: a aprovação do nosso filho Gabriel, no Curso de Produção Multimídia, no Instituto Federal de Santa Catarina. Parabéns, filho. Sentimos muito orgulho de você!!

1966 E OS BALDES DE ÁGUA

Já faz um bom tempinho, eu sei. Mesmo assim, devo dizer, são poucos os que se lembram do que aconteceu naquele incontrolável ano e as suas consequências. E como hoje eu acordei com o espírito nostálgico, meus amigos, tirei alguns minutos para relembrar aquela época. Vejamos, então:

No âmbito musical brasileiro, nós tivemos a ocorrência de grandes revelações. Elis Regina lançaria o LP “Elis” e nele nós podíamos ouvir e nos deliciar com verdadeiras pérolas, como o “Sonho de Maria”, do Marcos Valle.

O ‘rebelde sem causas’, Roberto Carlos, no auge da sua “Jovem Guarda”, brandia para todos em verso e prosa o “Quero que vá tudo para o inferno”. Céus, foram necessárias algumas décadas para ele se arrepender e passar a se comportar como anjo. Inferno? Nunca mais!

Ao mesmo tempo, convocado por Mao Tse Tung, veio o sonho da sua “Revolução Cultural”, por meio da enorme mobilização da juventude chinesa, ao criar os “Guardas vermelhos”. Enquanto isso, aqui no Brasil, Geraldo Vandré esquentava os festivais com a bela e icônica “Disparada”, na voz de Jair Rodrigues. Meu Deus do Céu, foi um verdadeiro hino:

“Prepare o seu coração / pras coisas que eu vou contar / Eu venho lá do sertão, / eu venho lá do sertão / Eu venho lá do sertão / e posso não lhe agradar…”  e  logo a seguir, ele arremata: “Aprendi a dizer não, / ver a morte sem chorar / E a morte, o destino, tudo, / a morte e o destino, tudo / Estava fora do lugar, eu vivo pra consertar…”

Nos jardins da rainha-mãe, a mocidade preferia se deliciar com os jovens “Beatles” cantando suavemente a linda canção “Yesterday”. Afinal, se “Ontem / Todos os meus problemas pareciam tão distantes / Agora parece que eles vieram pra ficar / Oh, eu acredito / No passado…”

Ainda nas terras inglesas, nós tivemos outra tragédia nacional: o ‘fiasco’ da seleção de futebol que, sentada no sucesso de 1958 e 1962, achou que não precisava se preparar, pois ‘no final a gente sempre ganha’…

Na literatura, aqui no Brasil, a bola da vez era ‘Stanislaw Ponte Preta’, o “alter ego” de Sérgio Porto. Ao criar o maravilhoso “Febeapá – Festival de besteiras que assola o país”, ele deu asas à imaginação. De quebra, nós descobrimos que podíamos rir de nós mesmos. Sem culpas ou remorsos.

Outro sucesso estrondoso, veio pelas delicadas mãos de Cora Coralina, no seu livro “Poemas dos becos de Goiás e outras estórias mais”. Aos 75 anos de idade, Cora Coralina nos acolhia com lirismo e simplicidade, apontando as possíveis saídas.

No entanto, o que sei dizer é que aquela segunda-feira, dia 10 de janeiro de 1966, eu nunca mais vou esquecer. Pudera, minha gente! No Edifício Esperanto, na velha Zamenhoff, nós fomos acordados na madrugada pelos avisos para descermos. Segundo o alarme, devíamos ir para a garagem do prédio. E, com a ajuda de baldes, retirarmos o excesso de água da chuva, uma vez que havia o risco de inundar o subsolo, impedindo o funcionamento do elevador.

A verdade é que eu tinha pouco mais de quatorze anos e, confesso, senti bastante medo da situação. Talvez, por conta da inocência, ainda presente, as aflições adquiriram cores mais dramáticas e ameaçadoras. Então, foi preciso depurar esses medos e isso demandou tempo. Muito tempo!

No fundo, é aquele velho ditado: “O que não tem remédio, remediado está.”

OS “JARDIM BRAGA’ E EU

Ontem, a minha amiga Celina reclamou que nos meus escritos os Braga nunca apareceram em qualquer história. De alguma forma, isso apontava para certa ingratidão de minha parte, por conta da antiga amizade que sempre nos uniu.

Pois é, minha gente. Confesso que, inicialmente, eu refutei a argumentação dela, uma vez que guardo muito carinho pela família Braga. No entanto, ao meditar sobre a questão, eu acabei acolhendo a ‘denúncia’, porquanto percebi que a queixa de Celina, de fato, possuía procedência. Deixe-me explicar.

Nós estávamos nos anos sessenta, por volta de 1965 ou 1966, e Celina era minha colega de sala de aula, no curso ginasial. O que posso dizer é que o nosso encontro ‘espiritual’ ocorreu de modo espontâneo, talvez, movido pelas conversas sobre as paixões amorosas vividas por cada um. As nossas longas conversas ao telefone mais pareciam um verdadeiro ‘consultório sentimental’. E o certo é que isso nos uniu tremendamente, vindo daí uma forte ligação, além da confiança mútua.

Até que veio o convite para conhecer a grande família: o lado Jardim e o lado Braga. É bem verdade que os primeiros a serem apresentados foram os pais de Celina, seu Zé Orlando e Dona Maria. O seu Zé, por certo, merece um lugar de destaque em meu coração, que narrarei mais adiante. Depois dos pais, vieram os irmãos, Álvaro, que acabou se tornando mais tarde o meu melhor amigo, e o Orlando, que era muito pequeno na época. Havia também os avós maternos de Celina: a doce e querida Dona Celina Jardim e o seu esposo, o sisudo do seu Newton.

A família Jardim Braga possuía uma casinha de praia em um balneário que ficava perto do Rio de Janeiro, na Estrada Rio-Santos: a calma Praia Grande. Era uma casinha bem pequena para o tamanho daquela família. Por isso, logo após a minha primeira ida para um fim de semana, surgiu neles o desejo de reformar e ampliar a casa. Céus, o resultado desse empreendimento foi fabuloso, originando uma casa de tirar o fôlego: linda e confortável.

Vale também dizer que eu participei ativamente dessa reforma, ajudando a carregar materiais, instalar a fiação elétrica, hidráulica e o que mais aparecesse pela frente. Naquela família, ninguém se furtava de ‘pegar no pesado’. Lá, isso não!

Por sinal, eu acredito que, de algum modo, esta participação foi responsável em criar elos ainda mais fortes com os “Jardim-Braga”. Como resultado, eles se tornaram a minha segunda família!

Hoje, ao me recordar deles, eu peço licença para resgatar a extraordinária figura do seu Zé Orlando. E se digo isso, é porque ele teve muita importância em minha vida. Seu Zé exerceu papel crucial em diversos momentos. Lembro bastante que as nossas conversas, intermináveis, eram regadas por inúmeras cervejas geladas. E além do mais, devo reconhecer que o seu Zé foi a primeira criatura que me ensinou a externar as emoções. Sem medos ou remorsos. Afinal, ele era uma pessoa extremamente sensível e sentimental. Vê-lo chorar ao contar causos e episódios se tornou algo marcante para mim. Aliás, foi somente ali, meus amigos, que eu descobri que ‘homem também chora”…

Com essas lembranças, eu aproveito para deixar registrado aqui o meu reconhecimento e a minha gratidão a toda família Jardim Braga!

A bela casa de Praia Grande que, guardadas as proporções, representou a minha “Macondo”…
Eu e o meu querido amigo “Zé Orlando”, em mais uma das maravilhosas conversas
que tivemos ao longo da vida. Abençoado seja!