A FEIJOADA DO “PAIXÃO”

Há quem acredite que o sujeito mais inventivo desse mundo é o ‘pobre’. E que isso não se deve pelo talento inato e sim por conta da necessidade. Céus… Pode isso, Arnaldo?! Sei não. Talvez, por força das circunstâncias, desde cedo o pobre se vê obrigado a improvisar tudo na sua vida. E por conta disso, ele se torna capaz de desenvolver e até mesmo determinar o rumo das coisas… Mas, e agora, José?!

A bem da verdade, eu não estou convencido disso. No entanto, eu reconheço que tais aspectos são capazes de influir na trajetória de uma criatura. Isto porque, quando se nasce em berço ‘nada esplêndido’, convenhamos, a gente é obrigado a descobrir onde ficam os atalhos, não acham? E isso, de um jeito ou de outro, acaba desenvolvendo essa capacidade mais determinada, mais focada na realidade da vida. Lembro até que na minha infância, relativamente pobre, eu fui capaz de aprender certos ‘truques e artimanhas’, que para muitos colegas não tinham a menor importância. Hoje, sim, eu identifico as ‘vantagens’ que levei ao exercitar a minha criatividade para dar conta de situações. Lá, isso sim!

Aliás, foi no início da fase adulta que eu comecei a ver a cor do dinheiro. Eu tinha 22 anos de idade e havia me tornado professor de cursinho pré-vestibular. O meu primeiro salário, caramba, foi de dois mil cruzeiros. Podia não ser muito, mas, comparado aos outros professores do cursinho, um ‘pé-rapado’ como eu, caramba, parecia festa no arraial. E foi com esse dinheiro que eu comprei o primeiro carro… opa, melhor dizendo, o primeiro ‘fusca’.

Contudo, como um bom ‘retirante’ nordestino, a gente não perde a noção de humildade e tampouco ‘esbanja’ dinheiro à toa. Afinal, nunca se sabe o dia de amanhã, não é verdade? Quem sabe, por isso, eu passei a dar valor ao meu suado dinheirinho? Não aceitava ser passado para trás e nem cair no canto da sereia, sabe como é?

Foi quando eu descobri, perto de minha casa, um restaurante que praticava ‘preços módicos’. Sendo que, aos sábados, havia a tradicional feijoada, bem ao estilo mineiro. Daí, eu chamei o Carlinhos, meu xará, para vir almoçar comigo naquele restaurante. O combinado era que após a praia, iríamos comer a bendita feijoada, descansar um pedacinho e depois partirmos para o Maracanã para assistirmos ao grande Fla-Flu decisivo!

Dito e feito. Sentamos na única mesa disponível do restaurante, bem no canto. Conferimos o cardápio e, então, Carlinhos declarou: “Caracas, feijoada completa por ‘sete reais’! Não dá para acreditar, xará…”

Então, pedimos uma cerveja e os copos bem gelados. No entanto, os copos eram de geleia de mocotó e a cerveja não veio tão gelada assim. Paciência. O principal era comida, já que estávamos famintos. Carlinhos, bem animado, só falava do preço baixo. Foi quando chegaram as cumbucas e travessas: uma de arroz, uma de farofa, de couve e a de feijão.

– Porra, cadê a carne seca e o paio, perguntou Carlinhos.

– Por sete reais, convenhamos, dá para aceitar… respondi.

– E o torresmo, não tem também?!

– Oh, Carlinhos, o importante é o sabor… e a economia que faremos para ir ao Maraca, retruquei sem muita convicção.

– Mas está uma merda isso aqui, xará… O feijão é só caldo, não tem caroço, não tem linguiça, paio e o escambau… Além disso, esse garçom, o “Paixão”, é um cara de pau, isso sim!

Pois é. Só sei que saímos dali com a certeza de que tinha sido uma tremenda furada. E que somente o cachorro-quente do Maracanã poderia salvar a nossa persistente fome…

É tal negócio, meus amigos: você pode até deixar de ser pobre, mas a pobreza não sai de você! Fazer o quê?!

PS. O restaurante não era lá um primor… Mas está igualzinho!