Vocês já pensaram o que é viver cem anos? Pois eu, confesso: nem consigo imaginar, muito embora esteja próximo de completar setenta e cinco. “Mas ainda está distante, Carlos, bem distante”, dirão alguns. Então, o que é preciso fazer para chegar lá? Vejamos:
Por certo, não basta apenas eu herdar o DNA. Sim, é verdade. Porquanto me falta muita estrada a percorrer. Muitas pessoas e lugares a conhecer. Talvez, seja preciso um pouco mais de lucidez e disciplina. Quem sabe uma pitada a mais de fantasia?! E a busca por melhores causas, será que conta?
Ah, meus amigos, uma coisa eu posso assegurar a vocês: se as pernas não fraquejarem e a mente não perder o foco, juro que vou perseguir essa marca do meu pai. Vou me esforçar ao máximo para chegar lá! Aliás, empurrado por Ednardo, o conterrâneo talentoso, muito cedo eu ouvi o seu hino: “Eu venho das dunas brancas / onde eu queria ficar / deitando os olhos cansados / por onde a vida alcançar…” Porém, foi daí que surgiu o questionamento: que vida é essa que eu ainda quero alcançar?! E o que dela ainda posso almejar?
Sei não. Na verdade, houve um tempo em que escutei bastante Bob Dylan. E foi ele que me assegurou, em “Blowin’ In The Wind”, que eu teria “as respostas sopradas pelos ventos”. Sim! Segundo ele, isso ocorreria somente após compreender “quantas estradas um homem deve percorrer pra poder ser chamado de homem?” (“How many roads must a man walk down / Before you call him a man?”)
Depois disso, o mundo girou mais um bocado. Mesmo assim, Ednardo insistia em me lembrar: “Eu tenho a mão que aperreia / Eu tenho o sol e areia / Sou da América, sul da América / South America / Eu sou a nata do lixo, eu sou o luxo da aldeia / Eu sou do Ceará.” Isso porque, também é verdade que nenhuma busca poderá ser bem-sucedida se não compreendermos de onde viemos…
Portanto, apesar das dúvidas que o mundo impõe, eu continuo seguindo em frente. Cada vez mais desapegado das ‘tralhas’ que carreguei até aqui. Ainda que pesadas, não percebi que eram desnecessárias. E algumas, talvez, fossem até indesejadas! “…No escuro dessa noite me ajuda a cantar / Derrama essas faíscas, despeja esse trovão / Desmancha isso tudo que não é certo não.” Afinal, sempre é tempo de aprender!
Agora, para ser justo, eu reconheço que dei muita sorte nessa vida. Ah, lá isso sim! Sorte por ter encontrado boas parcerias e com elas ter estabelecido pactos que me salvaram. Além disso, foram essas criaturas que, ao atravessaram o meu caminho, deixaram marcas permanentes em minha alma… Coisa linda! “Tudo é mistério nesse teu voar / Ai, se eu corresse assim / Tantos céus assim / Muita história eu tinha pra contar…”
O que sei dizer é que não tivesse eu encontrado o amor e com ele germinado um lindo filho, talvez esse percurso fosse bem mais difícil. Porém, novamente fui presenteado. Por conta disso, eu consigo reunir essa vontade de pelejar em busca dessa marca que meu pai alcançou. Oxalá, daqui há trinta anos eu possa cantar: “Meu céu é pleno de paz / Sem chaminés ou fumaça / No peito enganos mil / Na terra é pleno abril / No peito enganos mil / Na terra é pleno abril…”
Contudo, se algum desvio houver nesse trajeto, se não for possível chegar lá, creiam-me, não haverá dores ou arrependimentos. Somente a certeza de que valeu a pena a trajetória. Para o meu filho, quem sabe, deixarei um desafio para encarar. E para a minha mulher, meu grande amor, eu cantarei em voz alta, orgulhoso: “Não temas minha donzela / Nossa sorte nessa guerra / Eles são muitos, mas não podem voar!”
